A Menina de Rua
Joãozinho fora praticamente criado na rua. Filho de pais separados,
vivendo na pequena favela no interior de São Paulo, passou os piores
momentos de sua vida quando sua mãe fora assassinada pelo padrasto.
Desde que seu pai saíra de casa, pois desconfiava que a mulher o traía,
Joãozinho sofria pela ausência do pai.
Viviam pobremente, mas o pai lhe dava segurança. A separação, fora, para
Luíza, uma libertação. Casara por casar e, não gostando do marido,
começara a viver uma vida cheia de ilusões. Quem mais sofria com isso,
era Joãozinho.
Depois da morte da mãe, quando ele contava oito anos, sem rumo, sozinho,
pois o padrasto fora preso, foi dormir na rua, ao relento, com os outros
companheiros, infelizes como ele.
Era bem inocente das maldades do mundo e os companheiros
aproveitavam para por a culpa nele em tudo o que aparecia de errado.
Ficava quieto, pois ficava com medo de que eles pudessem expulsá-lo.
O medo da solidão fazia com que ele se sujeitasse a tudo que os maiores
impunham. Levava tapas e beliscões; às vezes, tinha vontade de sair
correndo e parar um policial, mas nesses momentos se sentia fraco para
lutar com pessoas mais poderosas que ele.
Joaninha sempre estava a seu lado. Magra, perninhas finas, estava com dez
anos, mas parecia ter uns sete, de tão judiada pela vida. Os meninos de rua
são agressivos para se defenderem. Joaninha, às vezes, ia para o barraco
de seu pai. Sempre bêbado, mal via a filha que, pelos cantos tremia de
medo, pois o pai era muito violento quando bebia.
A mãe fugira dos maus tratos e ninguém mais dela sabia. O quartinho era
pequeno. As panelas sujas, com comida deterioradas, que traziam ao
ambiente um cheiro desagradável. Joaninha conseguiu um pouco de água
para pôr em ordem tudo aquilo.
A água ali era escassa, mas, mesmo assim, depois de muito trabalho,
conseguiu dar um aspecto melhor ao seu pequeno lar. Por isso é que
Joaninha fugia para a rua.
A vida descontrolada do pai fazia com que ela fosse buscar refúgio
naqueles que, iguais a ela, procuravam a rua como se fosse a fuga para a
liberdade. Depois que o pai adormecia pelo efeito de álcool, levantava
diferente.
Naquela manha, notara a casa diferente, tudo arrumadinho. Que fada
misteriosa fizera aquele milagre? olha ao seu redor, e vê Joaninha dormindo
em um cantinho, no chão. Tem pena daquela criaturinha que ele mal vê.
Promete a si mesmo se reformar.
Antigamente, tinha um bom emprego. Quando o perdeu, se tornara um
bêbado. Em vez de lutar, achou mais fácil se deixar abater, maldizendo a
sorte. Ali estava sua filha. A única coisa que lhe restava.
A pobrezinha estava fraquinha, desnutrida. Já tivera boa casa, boas
amizades, mas, com a bebida, se tornara um homem violento e todos se
afastaram dele. Viera para aquele lugar e assim se tornara pior ainda. As
amizades eram péssimas a cada dia ele se afundava mais. João procura uns
gravetos para fazer um fogo.
Na véspera, ganhara de uma senhora que visitava a favela alguma comida.
Pegou no pacote de café, estava cheiroso. O saquinho de pães ainda os
conservava molinhos. "Que bom, vou fazer um café para minha Joaninha".
Deixou a filha dormir até mais tarde. Quando Joaninha levantou, o pai a
olhava amorosamente, quando fazia quando eram uma família.
- Minha filha, estou feliz por vê-la. Perdoe o seu pai, que é um homem muito
infeliz. Prometo a você que nao vou beber mais. Vou arrumar um emprego
e vamos mudar daqui, se Deus quiser.
Uma força estranha me fazia beber, mas com você perto de mim, terei
forças para mudar de vida. Joaninha abraça o pai, e diz:
- Papai, eu estou feliz, mas tem uma coisa que eu quero lhe pedir. Tenho
um amigo de rua que sempre me protegeu, ele não tem ninguém,
poderíamos trazê-lo para morar conosco?
- Bem minha filha, vou primeiro conhecer seu amigo e depois conversaremos.
João saiu de casa com o firme propósito de arrumar um emprego. Foi bem
arrumado, mas suas roupas estavam estragadas e ele tinha vergonha de se
apresentar. Pegou um jornal que haviam deixado em um banco, pois nos
bolsos não tinha nenhum vintém. Os sapatos rotos lhe faziam mal. Leu no
jornal: "Firma de cosméticos precisa de um rapaz apresentável para
entregas".
Pensou: "Rapaz apresentável? Meu Deus!" Olhou nas suas roupas, nos
sapatos, passou as mãos em seus cabelos compridos e ia desistindo,
quando um senhor sentou ao seu lado:
- O que foi meu filho, está preocupado?
- É que preciso de um emprego, mas vai ser difícil com essa minha
aparência.
- Conte-me sua estória, pois creio que você não foi sempre assim.
- Casei e fui feliz por algum tempo; quando Joaninha nasceu, foi uma alegria.
Amava minha esposa e éramos felizes. Quando Joaninha atingiu sete anos,
perdi o emprego. Comecei a beber e aí foi a minha derrocada. Perdi tudo
e hoje vivo em uma favela. Minha filha foge de mim quando bebo e dorme
na rua; quero mudar de vida e não sei como conseguir.
- Mas vai mudar hoje mesmo, disse o senhor Custódio, homem rico, com
uma indústria e convicto no Espiritismo.
- Sempre passo por aqui nas minhas caminhadas e hoje, por acaso, me
assentei, pois me senti cansado, mas acho que foi obra de Deus. Sou
espírita e gosto de ajudar aqueles que precisam verdadeiramente. A sua
estória me comoveu e quero conhecer a sua filha.
Saem dali, como se já se conhecessem há muito tempo. João conhece a
fábrica e fica entusiasmado. Mal sabia ele que tudo isso acontecera pelas
preces fervorosas de Joaninha.
O Sr. Custódio quis conhecer Joaninha. Quando João deixou a fábrica, o
carro já o esperava para levá-lo.
Na favela, todos saíram para ver João descendo do luxuoso carro. Joaninha
fora buscar Joãozinho para que o pai o conhecesse. Os dois estavam na
porta da rua brincando com as outras crianças.
- Joaninha, venha cá.
Assustada, ela quis recuar, mas o pai a pegou pela mão. Venha conhecer o
meu patrão. O Sr. Custódio abraça aquela criança, com lágrima nos olhos.
Joãozinho chega perto e Joaninha apresenta seu amiguinho. Custódio olhou
para o menino e seu coração condoeu. Era preciso fazer alguma coisa por
aquelas crianças. Saiu pensativo.
Com o propósito de ajudar, levantou cedo, foi ao supermercado, comprou
várias cestas básicas e encaminhou para a favela. Chegando perto do
barraco de Joaninha, parou.
Pediu que ela chamasse todos os que ali moravam. Foi um alvoroço.
Pacientemente, reuniu todo aquele povo e, carinhosamente, lhes fala,
mansamente.
- Sei que vocês precisam de comida, mas, mais ainda, precisam da palavra
de Deus, que é o Evangelho. Vamos fazê-los juntos todos os domingos,
pela manha. Hoje todos terão comida, mas, de amanha em diante, todo pai
de família vai me procurar na fábrica para um emprego. Todos necessitam
trabalhar. Ficar só esperando almas caridosas para alimentá-los não é digno
do homem.
Surpresos e felizes, pegaram suas cestas, sentindo que dias melhores viriam
para todos. O Sr. Custódio fez com que todas as crianças fossem para a
escola; Joãozinho foi morar na casa de Joaninha. Com o passar do tempo,
todos aqueles barracos se transformaram em belas casinhas, todas brancas.
A preces de Joaninha e Joãozinho foram ouvidas e todos se beneficiaram
com elas.
((Rosa Freua de Carvalho/Fernão - um espírito que morou nessa favela).